terça-feira, 23 de junho de 2009

Diplomado, logo existo?

(texto publicado parcialmente no Carol. Confira aqui na íntegra!)

Como já é de conhecimento de todos, o STF derrubou a obrigatoriedade do diploma para se exercer a profissão de jornalista, uma “conquista de 40 anos”, nas palavras do site da FENAJ (http://tinyurl.com/l5q895). Pessoalmente, eu acompanhei o julgamento minuto a minuto pela internet, e tão logo o mesmo terminou, já discutia com jornalistas, juristas e colegas do curso de Comunicação Social, via blogs, Twitter e (pasmem!) ICQ. O próprio site da FENAJ levou um tempo para publicar um texto a respeito do assunto. A matéria virtual da Veja ficou pronta quase duas horas depois do término do julgamento. E já saiu defasada, sendo revista no decorrer da noite.

Acho que, por aí, já dá pra se perceber como a profissão de jornalista mudou nesses últimos 40 anos.

Não é hora para ficar discutindo se o diploma deve ou não ser obrigatório. A legislação já está aí, e será difícil mudar a decisão do Supremo. A profissão de jornalista como um todo, e especialmente seus meios de formação, terão de ser revistos.

Ouvi muitos argumentos dramáticos demais, e também outros otimistas demais. Entretanto, acho que o fim do monopólio da profissão é benéfico para os jornalistas como um todo. Primeiro: vivemos numa época que, queiramos ou não, qualquer um pode se tornar um comunicador. Isso é um ponto de grande controvérsia no debate. Dizem que desvaloriza a formação teórica. Mas que formação é esta?

Luís Nassif, respeitado jornalista que, inclusive, deu uma palestra recentemente aqui na UFMG, toca justamente neste ponto em seu blog (http://tinyurl.com/l4rlan). Temos sérios problemas com a grade curricular de Jornalismo, e da Comunicação Social como um todo. Defensores do modelo atual dizem que ele incute valores éticos e um senso social mais apurado, ponto do qual eu discordo. Sim, temos uma grande facilidade para nos engajarmos em movimentos políticos e sociais na faculdade, mas isto se dá mais pelo próprio ambiente da faculdade, do que pelas matérias em si. Alguém que estudou Teoria Política começou a se envolver na política, ou o contrário é mais provável? Temos que perceber que, já com 18 anos, a maioria das pessoas tem sua visão de mundo formada.

Descartado o argumento da “formação ética”, e a formação técnica, aquela tão defendida por aqueles que são contra os “indivíduos-comunicadores”? Sabemos que, mesmo entre as Humanidades, o curso de Comunicação Social é relegado a um status inferior. Infraestrutura sucateada, não-reposição de professores titulares e, vamos falar sério, quem aqui está sendo preparado para lidar com as novas mídias? Somente iniciativas pioneiras, tímidas e desajeitadas são ensaiadas nesse aspecto. É um paradoxo: reclamamos da decadente qualidade do jornalismo nacional, sem buscar entender o porquê desta decadência!

Segundo, creio que esta mudança acabará por valorizar o diploma, ao invés do contrário. Experiências no mundo inteiro mostram que isto é bem verdade. Países com uma imprensa ativa na esfera pública, como Inglaterra e Estados Unidos, não exigem diploma. Ainda assim, a ampla maioria dos profissionais por lá são mestres e doutores. Lanço mão aqui do velho argumento das exigências do mercado, sem querer ser taxado de liberal. Mas, meus amigos de esquerda, convenhamos que a realidade já é essa, inclusive no Brasil. Profissionais de qualidade, formados, são literalmente “caçados”, como afirma Ivana Bentes em texto para a Carta Capital (http://tinyurl.com/loj9fz).

Não poderia deixar de comentar, é claro, da argumentação bisonha do ministro Gilmar Mendes. Comparar o exercício do jornalismo com o da culinária é, quando não uma ironia desnecessária, uma afronta vinda de um homem que processa jornalistas que investigam sua vida e apontam irregularidades.

Ouvi por aí argumentos do tipo “então o diploma para Medicina também não deveria ser necessário”. Alguém já imaginou um curso técnico para cirurgia plástica, ou um neurocirurgião autodidata? Chego ao terceiro ponto: o diploma para médicos e advogados, por exemplo, é um salvaguardo ao consumidor, que tem certeza de estar sendo atendido por um profissional com formação técnica e teórica capaz de lhe garantir um bom serviço, como bem lembra Túlio Vianna (http://tinyurl.com/m49m3e). Não ficamos todos revoltados com “médicos” que usam diplomas falsos e acabam causando danos às pessoas?

Admito, é claro, que a imprensa pode causar um dano muito maior à vida de uma pessoa, como foi no tão lembrado caso da Escola Base. Mas esta é a exceção, não a regra, e é um constante aviso sobre o que um jornalismo precipitado pode fazer.

Não sabemos aonde esta mudança levará o jornalismo no Brasil, mas o fato é que o mesmo já estava combalido há algum tempo. Iniciativas como o programa CQC, ou casos como o Folha de São Paulo x Blog da Petrobras (http://tinyurl.com/pxp6qa), mostram que a imprensa no país estava precisando de uma boa sacudida. Temos agora que pensar numa nova organização para a profissão, uma nova relação com o público, as novas mídias e o mercado (como, por exemplo, a questão dos jornalistas free-lancers, que deve ser tornar urgente a partir de agora).

Como disse um amigo meu, foi um senhor tapa na cara dos jornalistas. Eu diria que foi um tapa mais do que necessário para fazer a imprensa no país acordar para a nova realidade que está surgindo, a tempo de se preparar para ela.

Hélio Soviet (1º)
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